Misoprostol

O uso do misoprostol como abortivo sem acompanhamento médico pode levar a uma gestação que não se perde e gera ansiedade adicional na mãe pelo risco para o feto (embrião).

A literatura não é definitiva, visto que ainda não são disponíveis estudos epidemiológicos controlados com um grande número de gestantes expostas. Em animais a droga não se mostrou teratogênica. Acumulam-se relatos de casos retrospectivos em humanos, de crianças com defeitos de redução de membros e/ou sequência de Möebius (Gonzalez e cols. 1993) associados ao uso desta substância pelas mães durante o período de embriogênese. Desde então, vários outros casos têm sido relatados em Congressos, incluindo a S. Möebius e lesões variadas do Sistema Nervoso Central (Gonzalez et al., Lancet 1998; 351: 1624-27). Em nossa experiência (Schüler et al., Reproductive Toxicology, 1999. vol13:2, 147-151), no seguimento de 64 gestantes que deram à luz a recém-nascidos vivos, não foi observado aumento na taxa de defeitos maiores. Também nenhum caso de Möebius, defeitos cranianos ou redução de membros foi registrado nesta amostra.  Por outro lado, um recente estudo caso-controle com 94 crianças com sequência de Möebius detectou uma frequência significativamente mais alta de uso de misoprostol no primeiro trimestre (por tentativas de abortamento) nas mães destas crianças quando comparadas a um grupo controle de 94 crianças com defeitos de fechamento de tubo neural (Pastuszak et al New Engl J Med, 1998: 338:1881-5). No trabalho de Gonzalez, foram estudadas 42 crianças expostas ao Misoprostol durante os primeiros três meses de gestação e que nasceram com malformações. Cada criança foi examinada por um geneticista e um neuropediatra. Destas, 17 crianças tinham equinovarus com defeitos de nervos cranianos. Outras 10 crianças tinham equinovarus como parte de uma artrogripose mais extensa. O fenótipo mais comum foi a artrogripose restrita aos membros inferiores (5 casos). A dose de Misoprostol mais comumente usada foi de 800 microgramas (variando de 200-1600).Um estudo recente associou a exposição ao misoprostol no primeiro trimestre e artrogripose de membros, além de outros defeitos congênitos em uma série de 15 crianças expostas durante a gestação (Coelho et al., 2000 – A J Med Genet, 95:297-301). Adicionalmente, um estudo realizado por Orioli & Castilla (BJOG. 2000 Apr;107(4):519-23) analisando 4.673 nascimentos com defeitos congênitos monitorizados pelo ECLAMC e encontrou um excesso de defeitos congênitos tipo anéis de constrição, defeitos transversais distais de membros, hidrocefalia e artrogripose nos recém-nascidos com história de exposição intra-uterina ao misoprostol. Na experiência do SIAT, entre 1992 e 2003, foram registradas 35 consultas sobre bebês que haviam nascido com algum defeito congênito, cuja mãe havia utilizado misoprostol em algum momento da gravidez. Dentre os defeitos congênitos maiores identificados em nossa amostra estão paralisia facial congênita (3), hipotonia (3), redução de membros (2), artrogripose (2), hidrocefalia (2), outras alterações neurológicas [11 – insuficiência respiratória de origem central (4), nistagmo (3), atrofia cortical (1), esquizencefalia (1), convulsões (1) e retardo mental isolado (1)]. Além dessas, encontramos malformações do pavilhão auricular (3), pé torto congênito (2), hemivértebras (1), alterações oftalmológicas (1) e agenesia renal (1).

 

Sequência de Möebius

A sequência de Möebius, definida como uma paresia ou paralisia congênita do sexto e sétimo nervos cranianos, está frequentemente associada à paralisia de outros nervos cranianos, anomalias craniofaciais e músculo-esqueléticas. Sua etiopatogenia ainda não está perfeitamente esclarecida. A teoria mais aceita sugere que existiria um mecanismo de insuficiência vascular em idade gestacional precoce, desencadeada por uma série de fatores heterogêneos, dentre os quais se destacam anomalias cromossômicas, exposição a agentes ambientais como a talidomida, cocaína, benzodiazepnicos, álcool e, em especial, o misoprostol, o que levaria a produção da sequência de Möebius. Em virtude das alterações multisistêmicas da sequência de Möebius, observa-se que a conduta apropriada varia de acordo com a gravidade e tipo das malformações presentes. A conduta oftalmológica deve ser dirigida para o estrabismo e para exposição corneana, essa última podendo ocorrer, principalmente ao dormir, devido ao acometimento do VII nervo craniano, devendo-se também tratar as ametropias e a ambliopia, se presente. Frequentemente os genitores e pacientes com a sequência de Möebius buscam o diagnóstico e tratamento através de profissionais que, devido a pouca frequência da doença, têm dificuldade em diagnosticar e conduzir o caso. O oftalmologista muitas vezes pode ser o primeiro contato dessas crianças com a área médica. As crianças com sequência de Möebius apresentam importantes alterações oftalmológicas, sendo o estrabismo o achado que mais chama atenção dos genitores. O defeito mais comum dos movimentos oculares está representado pela limitação ou ausência da abdução. Além disso, há relatos de limitação da adução ou paresia do olhar conjugado horizontal associado ou não a alterações dos movimentos verticais. Tem sido observado que existe uma elevada incidência de alterações da função palpebral, presença de lacrimejamento anormal e cicatrizes corneanas em crianças com a sequência de Möebius. Na literatura há ainda relatos de prega epicântica bilateral, hipermetropia (variando de +0,50 a +6,00 dioptrias, associada ou não ao astigmatismo).Têm sido observadas associações da sequência de Möebius com outras alterações sistêmicas e oculares menos frequentes, tais como: catarata capsular posterior bilateral, coloboma de íris, hipogonadismo hipogonadotrófico com persistência de fibras de mielina peripapilares, catarata congênita e coloboma retiniano, nanismo pituitário e hipoplasia papilar associado à persistência de membrana pupilar e coloboma de nervo óptico.

 

Conclui-se que…

A conclusão atual é de que o misoprostol é um teratógeno quando usado no primeiro trimestre de gravidez podendo levar à perda gestacional ou a malformações, especialmente sequência de Möebius, defeitos de redução de membros e/ou anéis de constrição e diversas anomalias do Sistema Nervoso Central. O risco destes defeitos não pode ser determinado com os dados atualmente disponíveis. Considerando a alta frequência de seu uso como abortivo e um estudo prospectivo negativo, estima-se grosseiramente que seja menor que 10% dos fetos expostos.